quinta-feira, janeiro 28, 2010

O termo exacto

Rua da Palmeira / Foto TL, 2010

Falta-me descobrir o termo exacto
para dizer da fúria que me impele
a enlear na minha a tua pele:
um termo que se amolde no retrato
que me entreguei a desenhar de ti
desde o primeiro dia em que te vi.

É esse termo original e puro
que persigo sem tréguas e procuro
a toda hora e em qualquer lugar:
um termo com o brilho de uma chama
intensa como a luz que se derrama
da madrugada que há no teu olhar.

segunda-feira, janeiro 25, 2010

Fantasmas

Rua da Quintinha / Foto TL, hoje
Dos nocturnos terrores da infância
aos tremores do avanço da idade,
a que em boa verdade
não convém dar importância,
abundam os fantasmas insolentes
que a toda a hora nos ferram os dentes.

Importa pôr-lhes trela
antes que nos magoem a canela.
E a melhor forma de o fazer
é anulá-los com as alegrias
que, diga cada um o que disser,
também nos cumprem os dias.

quinta-feira, janeiro 21, 2010

Cinco quadras para uma miragem

Rossio / Foto TL, 2010
Vive uma vida de assombro:
as mais exóticas aves
vêm pousar no seu ombro
em movimentos suaves.

Tem a graça que só tem
quem um dia foi tocado
pelo dom de viver sem
inocência nem pecado.

No seu olhar calmo e doce,
sempre que olha para mim,
mora o mar como se fosse
uma planície sem fim.

E as suas mãos, seda pura
que pronto me acaricia,
revestem a formosura
do sol que ilumina o dia.

Com tanto atributo, tanto
que nem cabe nesta lista,
é pena que, por enquanto
e até ver, não exista.

terça-feira, janeiro 19, 2010

Sem mistério

Largo de São Domingos / Foto TL, 2009
Não tenho o dom de adivinhar,
que de resto ninguém tem,
mas o certo é que sempre, mal ou bem,
soube ler no teu olhar
o que em vão tentas esconder de mim.
Por isso é que estou dentro dos segredos,
os silêncios e os medos
que, como uma floresta, um mar sem fim,
sem cuidar de antes nem depois,
o tempo ergueu entre os dois.
Mas não existe aqui mistério algum,
porque nós, afinal, somos só um.

sexta-feira, janeiro 15, 2010

O rio dos dias

Rua Castilho / Foto TL, hoje

Às vezes o tranquilo rio dos dias
encontra um precipício,
mas, por mais que sejam frias
as suas águas, os rios cumprem o ofício
de ir sempre rumo à foz.
Não assim nós,
que não raro hesitamos na corrida
e com avanços e recuos,
bravatas e amuos,
infernizamos a vida.

quarta-feira, janeiro 13, 2010

Fuligem

Lisboa depressiva / Foto TL, 2007
Vamos gerindo as dores, que remédio,
ontem nas costas, hoje nos pés
e amanhã no que calhar,
e, quando não há dores, temos o tédio
corroendo-nos à vez
como um baloiço regular
sobre o vazio e a fuligem
que a toda a hora nos afligem.

E há depois a chuva, esta incessante
chuva que atrai a noite em pleno dia
e não nos deixa livres um instante
para inventar o sol e a maresia.

domingo, janeiro 10, 2010

Regresso

Travessa de Santa Teresa / Foto TL, 2009

Faz muito frio, não há ninguém na rua,
mas de repente avisto ao longe a tua
figura frágil, tão serena e doce,
e tudo fica azul como se fosse
o mais límpido dia de Verão.
Chegas junto de mim, tens quente a mão
que logo passas breve no meu rosto
e eu sinto o mundo em volta renascer,
dissipando a tristeza e o desgosto
que me trouxera a dor de te perder.

quinta-feira, janeiro 07, 2010

Abandonados

Foto TL, 2008
Fomos todos abandonados
cada um em sua ilha deserta
e agora o que nos resta
é fugir a nado
ou então inventar um barco a remos
que nos leve até onde não sabemos.

segunda-feira, janeiro 04, 2010

Solidão

Rua de São Paulo / Foto TL, 2008
Espreita a rua cinzenta através da vidraça
embaciada como o seu olhar
e apenas vê na gente que passa
o alheamento próprio do lugar
de exílio com que a vida
lhe quis marcar o fim da corrida.

Sofre de solidão e ninguém sabe
das noites que preenchem os seus dias
nem da dor que não lhe cabe
no peito e torna sombrias
as horas da sua lenta espera
de outra impossível primavera.

sexta-feira, janeiro 01, 2010

O que importa

Travessa da Palmeira / Foto TL, 2009

Não adianta mudar de calendário,
quando todos os dias são iguais,
ou inscrever no rosto do diário
as intenções habituais.
O que importa é seguir, saltar o muro
e mergulhar inteiro no amanhã,
enfrentando os atalhos do futuro
de peito aberto e alma sã.