segunda-feira, junho 28, 2010

A dúvida

Alto do Longo, à Rua d'O Século

Se há destino não sei, embora tenha
propensão para acreditar que a vida,
por muito que a ideia não convenha,
pode ser algo mais que esta corrida
ao acaso e sem meta definida.
Mas a verdade é que não sei. Talvez
para além desta porta haja outra porta
aberta para onde não importa
e que dê para vermos outra vez
que nenhuma certeza é permitida,
pois quanto mais se crê mais se duvida.

quarta-feira, junho 23, 2010

Rumo ao nada

Acrílico sobre tela / TL, 2006

No autocarro para nenhures,
que ninguém sabe onde é,
uns vão sentados, outros de pé,
e por mais que procures
conhecer de cada um
para onde vai, donde vem,
terás resposta comum,
tão simples que não contém
segredo porque, afinal,
não há coisa mais banal
e desde sempre aprazada
que este voo cansado e cego
sem bússola nem sossego
rumo ao nada.

segunda-feira, junho 21, 2010

Dor

Acrílico sobre tela / TL, 2006

Dói-me a lembrança do teu rosto
sereno e doce como sempre o vi
e há dias em que o desgosto
me diz que não sei viver sem ti.
São dias de incerteza e confusão
que melhor seria não
constarem do calendário.
Mas só me resta fazer de conta
que a dor é de pouca monta
e não pertence ao inventário.

sexta-feira, junho 18, 2010

No café

Rua da Prata

Há muitos anos, quando ainda era
um jovem cheio de sol e primavera,
eu ia a um café da Rua da Prata
tomar a bica e um pastel de nata,
ao fim da tarde, com os meus amigos.
Falávamos dos medos e dos perigos
daquela época, e não eram poucos,
e, quase inconscientes, quase loucos,
como de resto é próprio da idade,
nada nos impedia de inventar
um país de futuro em liberdade
onde todos pudessem ter lugar.

Hoje, onde era o café, há um vazio,
que a porta desde há muito foi fechada
e, quando por lá passo, sinto frio.
Não é do tempo, não, mas da gorada
esperança, que se fez fumo de navio.

quarta-feira, junho 16, 2010

Complicado

Rossio

Viver é complicado
e, qualquer que seja o lado
por que se encare o problema,
a conclusão mais comum,
sendo as coisas como são,
é não existir nenhum
modo de abordar o tema
que não traga frustração.
Por isso, o melhor será,
para evitar confusões,
fazer de conta que há
mil e uma soluções
para fruir com prazer
tudo o que a vida nos dá,
pondo de parte o morrer,
que, está visto, não convém
e é complicado também.

segunda-feira, junho 14, 2010

Nuvem

Rua da Palmeira

Não sei que estranha nuvem veio toldar
o céu limpo da nossa relação,
mas o certo é que li no seu olhar
um misto de surpresa e decepção,
quando é seguro que não tem razão
para dar curso à intriga e acreditar
que alguma vez no amor se pode não
ter presente a primeira condição
para ele existir: a lealdade,
que é outra forma de dizer verdade.

sexta-feira, junho 11, 2010

Amigos

Jardim do Príncipe Real

Houve um tempo que abundava em amigos,
uns mais recentes, outros mais antigos,
no fim de contas todo o mundo o era.
Mas o mar tem marés altas e perigos,
ondas boas e más, prémios, castigos
e dias que não são de primavera.
Por isso mesmo a multidão de amigos
foi minguando e onde era uma avenida
com muita gente é hoje uma travessa
certamente mais só, mas o que interessa
é saber preservá-la para a vida.

quarta-feira, junho 09, 2010

Saudades de mim

Acrílico sobre tela / TL, 2006

Voltei a ver a casa onde nasci,
numa rua discreta, sossegada
onde, é notório, não se passa nada.
Há gatos que passeiam por ali
a sonolência própria do lugar
e entre as ásperas pedras da calçada
crescem ervas daninhas, que eu bem vi.
Sem histórias singulares para exibir,
a casa simples e a rua quieta
ignoram o meu fado de poeta
e revê-las levou-me a concluir
que, mais do que do sítio onde nasci,
as saudades que sinto são de mim.

segunda-feira, junho 07, 2010

Manhã enevoada

Na Rua Professor Branco Rodrigues, à Praça das Flores

Se ao menos na manhã enevoada
de repente irrompesse a luz do olhar
que me oferecias quando nada
havia que pudesse perturbar
o nosso mútuo encantamento,

Se ao menos por um momento
a concha da madrugada
me trouxesse outra vez a claridade
do teu rosto e a memória agrilhoada
encontrasse de novo a liberdade,

Talvez fosse possível inventar
uma desculpa e então recomeçar.

sexta-feira, junho 04, 2010

Em primeiro lugar!













Esta manhã, uma leitora amiga telefonou-me,
a dizer que o "Espelho Íntimo"
estava em primeiro lugar no "top" de vendas
da Livraria Barata (Avenida de Roma, 11-A, Lisboa).
Passei por lá, comprovei a informação e fotografei.

quarta-feira, junho 02, 2010

Mais que fazer

Na Rua de São Bento

Há gente que nasceu zangada com o mundo
e não consegue disfarçar
o azedume, a azia, que no fundo
sente por ter de enfrentar
seja quem for que considere alheio
ao seu círculo acanhado e feio.
E jamais lhe falta motivo
para tentar infernizar
tudo o que à volta saiba vivo
e de cabeça no lugar.
Por mim, procuro sair ileso
do encontro com tal gente
e dedico-lhe um desprezo
suave mas impenitente.
E vou à vida porque, é bom de ver,
tenho mais que fazer.