segunda-feira, janeiro 30, 2006

Neve algarvia

Lembro-me bem, foi há mais de meio século,
minha mãe cozinhava o jantar
e eu espreitava o quintal através da janela.

Era quase de noite e estava frio,
ali onde toda a gente
pensa que não há disso.
De súbito, os pingos de chuva embranqueceram
e pousavam, fiapos de algodão,
sobre os canteiros, as plantas, a muralha,
que era o pano de fundo do quintal.

Não sei se minha mãe alguma vez vira nevar,
só sei que logo dividimos a surpresa
e ficámos a admirar pela noite dentro
o espantoso espectáculo.

Na manhã seguinte, as ruas
vestiam de branco, imitando
os campos de amendoeiras.

Fui para a escola pelos trilhos
das carroças dos camponeses,
mal sabendo que nenhuma neve
das que veria depois nos caminhos do mundo
havia de ter o encanto
daquela algarvia de 1954.

(2006)

9 Comments:

Blogger Eva Luna said...

Eu era muito garota, só ouvi falar. Ontem revivi essa recordação. A leitura deste poema fez-me voltar à minha meninice, feliz e não aprisionada. Obrigada

2:13 da tarde  
Blogger Torquato da Luz said...

Obrigado, Eva Luna. Visitei o seu blog, nascido ontem, e gostei. Bem-vinda à blogosfera!

4:56 da tarde  
Blogger Torquato da Luz said...

Laura, gostei muito do teu último post, como deixei dito. Beijinhos!

8:31 da tarde  
Blogger addiragram said...

A minha mãe foi-me fazer a mim e ao meu irmão bonecos de neve...em 1954! beijinhos!

11:53 da tarde  
Blogger Torquato da Luz said...

Beijinhos também, Addiragram.

9:23 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

A primeira vez que vi neve foi na Serra da Estrela quando tinha 8 anos...lembras-te meu pai?
Eu lembro-me de ti cheio de frio, mas também cheio de amor, a fazer bonecos comigo.
Beijinhos muitos,
Mj

10:06 da manhã  
Blogger Torquato da Luz said...

Lembro-me de tudo, querida. E foi na Páscoa, calcula! Mts jinhos, também.

11:57 da manhã  
Blogger Unknown said...

A primeira vez que vi neve foi nesse mesmo dia e nessa mesma terra que descreves. Não estava em tua casa, mas à janela de uma outra casa, que foi recentemente quartel da GNR e que, ao tempo, teria sido, se não me engano, sede da Junta de Freguesia ou Casa do Povo, algo assim.
Nunca esquecerei esse momento nem o dia seguinte.
SAUDADE!

12:47 da tarde  
Blogger Torquato da Luz said...

Era a Junta de Freguesia, Toy. A Casa do Povo ficava na ladeira da Senhora do Carmo, lembras-te agora?
Um forte abraço.

3:38 da tarde  

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