sábado, dezembro 30, 2006

Ao computador














Foto TL

Sentado aqui, perante o monitor,
quem disser que estou só não sabe do que fala,
porque nunca me senti tão próximo de tudo,
tão ligado ao mundo,
tão sem medo dos medos que algum dia me enredaram.

As vidas que vivi (e a que perdi a conta)
deram-me muita coisa, mas nenhuma
me divertiu tanto como esta
de me fechar na sala e, no entanto,
viajar sem roteiros nem fronteiras.

(2006)

terça-feira, dezembro 26, 2006

Urgência









Acrílico sobre tela
Torquato da Luz, 2006

Não quererás o fácil, mas somente
o que não podes atingir.
Apenas o impossível é urgente:
tudo o mais há-de vir
por acréscimo ou simples acidente.

Não sonharás senão com o que está
para além de todo o sonho:
por mais absurdo e medonho,
só é real o que não há.

(2006)

terça-feira, dezembro 19, 2006

Natal















Foto TL

Esperei-te contra toda a esperança,
alheio à bruma circundante
e surdo às vozes que me garantiam
a suposta evidência
da tua impossível vinda.
Esperei-te ignorando o nevoeiro
e indiferente ao vendaval
em que quase me perdia.
Até que chegaste um dia
e nunca mais deixou de ser Natal.

(2006)

sexta-feira, dezembro 15, 2006

A sina









Cais do Sodré
Foto TL

No Cais do Sodré, uma cigana
tenta ler-me a sina.
Não deixo, é evidente,
embora a mulher insista.
Porque não acredito,
ora essa,
mas sobretudo, penso depois,
para evitar que me diga
o que sei há muito
e não me interessa ouvir.

(2006)

quarta-feira, dezembro 13, 2006

Enquanto







Trav. de Stª Teresa
Foto TL

Escreverei enquanto amar,
enquanto a luz do teu olhar
der sentido à minha escrita.

Enquanto em cada madrugada
achar em ti a enseada
de uma ternura infinita.

(2006)

segunda-feira, dezembro 11, 2006

A razão









Acrílico sobre tela
Torquato da Luz, 2006

A razão por que nascemos
é o amor, não vejo outra.
Medi todas as hipóteses
e, entre vícios e virtudes,
não achei mais nenhuma que servisse
à explicação deste mistério.
Nem a fé nem a esperança,
a inveja, a avareza,
a caridade ou a compaixão.

Só o amor liberta, só o amor
pode ser a razão.

(2006)

sexta-feira, dezembro 08, 2006

Não posso







Foto TL

Não posso abandonar estas árvores,
estas ruas, estas casas.
Não posso esquecer o rio
e muito menos o sol que se espreguiça
sobre os telhados de Lisboa.
Não posso ignorar o lamento
da chuva que me bate na vidraça
à espera de convite para entrar.
Não posso desviar-me do mistério
de um corpo que me deslumbra.
Não te posso perder,
não posso
deixar-me morrer.

(2006)

quarta-feira, dezembro 06, 2006

Desaparecida










Foto TL

Na cidade grande
as pessoas não morrem,
desaparecem.
Foi isso que aconteceu
à velha senhora que todas as manhãs
me acenava detrás da vidraça
daquela janela do primeiro andar.
Nunca trocámos uma palavra
nem me lembro de alguma vez
nos termos cruzado na rua,
mas a sua muda saudação
passara a fazer parte
da minha agenda diária
e agora sinto-lhe a falta.

(2006)

segunda-feira, dezembro 04, 2006

Precipício









Senhora da Rocha
Foto TL

Caminhamos sobre o precipício,
incapazes de escapar
à atracção do abismo.
Como se nesse exercício
houvesse lugar
ao mínimo heroísmo.

Guia-nos só a indiferença
ao perigo que corremos,
sem que ao menos nos pertença
saber quem somos ou seremos.

(2006)

sexta-feira, dezembro 01, 2006

Amor















Rua do Monte Olivete
Foto TL

Soube que te amava
quando senti
que ao pé de ti
o tempo se esfumava.

(2006)