quarta-feira, outubro 31, 2012

Fogueira

Cais da Ribeira
Corpo que rasga a noite e vai deixando
atrás de si a luz da madrugada,
assim te desenhei em sonhos, quando
além dos sonhos não havia nada.

Fogueira que recusa o lume brando
das convenções e afronta a encruzilhada
dos dias, tal um anjo iluminando
tudo em redor ao brilho de uma espada,

eis como te quis ver, antes que fosses
um rosto e sobretudo um coração,
uns olhos claros e uns lábios doces

e eu me perdesse em ti como se não
houvesse mundo além do que te trouxe
à minha inebriante perdição.

quinta-feira, outubro 25, 2012

Urgente

Rua de São Bento
Não quererás o fácil, mas somente
o que não podes atingir.
Apenas o impossível é urgente:
tudo o mais há-de vir
por acréscimo ou acidente.

Não sonharás senão com o que está
para além de todo o sonho:
por mais absurdo e medonho,
só é real o que não há.

segunda-feira, outubro 22, 2012

Procurei-te na internet

Príncipe Real
Como quem se intromete
procurei-te na internet,
fui ao google, sei lá, ao facebook
e nada,
mas, ao dar por fechada
a viagem à cata do teu look,
seja qual for agora,
veio atacar-me sem demora
a dúvida teimosa
de saber se exististe realmente
ou te inventei na sombra misteriosa
de um passado inexistente.

terça-feira, outubro 16, 2012

Liberdade

De um terraço da Mouraria
As letras do teu nome, uma por uma,
escrevi a medo sobre o quadro preto.
Foi no tempo em que tudo era secreto
e a esperança de futuro quase nenhuma.

As letras do teu nome, uma por uma,
ecoaram na sala e atraíram
a raiva dos medíocres que não viram
o mar imenso para além da espuma.

Só que nada puderam de verdade,
porque ficaste minha, liberdade.

sexta-feira, outubro 12, 2012

A mesma pele

Rua de São Pedro de Alcântara
Temos a mesma pele,
descobri anos depois.
É isso que nos impele
a sermos um, sendo dois.
Amar é ter a mesma pele,
o resto vem depois
(e não falo da cor,
que é indiferente no amor).

segunda-feira, outubro 08, 2012

Minha Lisboa

Rua da Vitória
Quando eu morrer
não me dêem o céu nem o inferno
ou tão-pouco o purgatório.
Dêem-me antes as ruas de Lisboa
para correr à vontade
até à eternidade.

sexta-feira, outubro 05, 2012

País estilhaçado

País estilhaçado, estraçalhado,
entalado entre o medo e a maresia,
país estalactite, estalagmite,
país de bruços que nos braços
carrega sombras e cansaços.
País dilacerado, lacerado,
encalacrado até aos gorgomilos,
país adiamento, aditamento,
país padrasto dos seus próprios filhos.

País que eu amo, que desamo
para logo a seguir amar de novo,
país que tem o nome por que chamo
aquilo que estremeço até ao osso.

terça-feira, outubro 02, 2012

Erros meus

Cais das colunas
Dos muitos erros que cometi
a maior parte já esqueci
e dos outros que a memória
guardou para a minha história
tal qual a entendo
nunca me arrependi
nem me arrependo.