segunda-feira, março 30, 2009

Não quererás o fácil

Jardim Botânico Tropical, Belém
Foto TL, 2009
Não quererás o fácil, o que está
disponível, à mão de semear,
mas antes o que dói, o que não há
e te cumpre inventar.
Não seguirás por onde os outros vão,
agarrados à pressa de chegar,
mas antes buscarás no próprio chão
o caminho a rasgar.
Não ouvirás as vozes em redor
sempre dispostas a te censurar,
mas antes cumprirás o que o amor
a toda a hora te indicar.

quinta-feira, março 26, 2009

Interim














Rua de S. Bento / Foto TL, 2009
Tudo é sempre tão depressa
e tudo tão de repente
que, embora tal não pareça
a muita gente,
esta vida, mal começa,
logo tem à vista o fim.
Salva-se, nesse interim,
por maior que seja a dor,
a coisa com mais piada
que jamais foi inventada
e tem o nome de amor.

domingo, março 22, 2009

Primavera





















Rossio / Foto TL, 2009
Tudo o que sempre quis foi conhecer
um a um os mistérios do teu rosto
e sem medos nem pressas percorrer
os recantos secretos do teu corpo.

Tudo o que sempre quis foi recolher
ao abrigo seguro do teu porto
e para sempre aí permanecer
sem sombra de pecado ou de desgosto.

E agora que te tenho, Primavera,
quero que sejas minha por inteiro
após a longa e dolorosa espera,

pois consegui furar o nevoeiro
e de todo esquecer-me de quem era,
meu amor de raiz, amor primeiro.

sexta-feira, março 13, 2009

De viagem















Foto TL, 2007
Se eu deixar de aparecer e não souberes de mim,
sê paciente, espera
e não te inquietes a pensar no fim.
Eu hei-de renascer na Primavera
como a folhagem do jardim
e a luz que se derrama na cidade
de Lisboa ao respiro da liberdade.

Escusas, pois, de vir bater-me à porta
ou de deixar mensagem
no telemóvel, que eu fui de viagem
e o resto não importa.

segunda-feira, março 09, 2009

Limiar
















Foto TL, 2008
Para escrever importa ter vivido
mas nós apenas conhecemos
o limiar da vida:
existe sempre um espaço proibido
a impedir que avistemos
a meta da corrida.

Jamais vamos além do sonho
como se o nosso destino
fosse ficarmos aquém:
um fantasma medonho
a que desde menino
não escapa ninguém.

Por isso a nossa escrita é mera espuma
entre o nada e coisa nenhuma.

sexta-feira, março 06, 2009

Tejo mar



















Foto TL, 2008
De vez em quando vence-me a saudade
da beira-mar do tempo em que aspirava
a toda a hora a maresia e achava
que só tinha certezas e verdade.

Percorro então as ruas da cidade
até lavar no Tejo o meu olhar
como se no seu espelho visse o mar
e transformasse o sonho em realidade.

terça-feira, março 03, 2009

Recomeçar





















Largo da Estrela / Foto TL, 2009

Quando a infância é um jardim perdido
que se dilui nas sombras da memória
e o que vês em redor perdeu sentido
para o epílogo ajustado à história
que um dia te contaram ao ouvido,

o melhor a fazer é não teres medo
e tramares para a vida um novo enredo.

domingo, março 01, 2009

Cenas de um lançamento




























João Severino (que declamou alguns poemas), Inês Ramos (que fez a apresentação), o autor e Andreia Varela (Papiro)
Excertos da apresentação, feita por Inês Ramos:
"(...) Só ficará de ti o que escreveste
com paixão.
O resto não contou:
foi tão-só uma sombra que passou,
pura ilusão,
e nem rasto deixou.

Assim começa este livro de Torquato da Luz, para que, com ele, façamos uma viagem através dos afectos e até um lugar onde apetece ficar por muito tempo e aí serenamente tentar entender a vida e todas as suas ousadias e todos os extremos que à distância nos revelam o que aprendemos sobre o amor até encontrar no silêncio o seu encantamento.
Tal como diz o poeta, "só ficará de ti o que escreveste com paixão" e este livro, escrito com paixão, é uma obra de recriação e releitura, de desafio às nossas perguntas sobre a nossa própria forma de estar perante o amor, as emoções e a memória. Porque o que não foi feito com paixão, o que não foi escrito com paixão, nem rasto deixou.
Eis uma definição do que pode ser o amor:
(...) Nada podia perturbar-me tanto
como uns olhos roubados ao luar
das noites em que o tempo e o lugar
se faziam de espuma, luz e espanto.
Mas o que importa, sobre a ruinosa
erosão dos desenganos,
é esta força de quem ousa
amar-te acima do passar dos anos.

O tempo é um elemento presente na poesia de Torquato da Luz. Numa abordagem para o amor construído e para a serenidade da vida que é o grande privilégio que temos e onde inscrevemos a nossa marca tão única. Sobretudo naquilo que amamos. E este poeta enlaça-nos entre o passado e o presente, sem que se trate de passado nem presente, apenas o tempo numa concepção diferente. Numa memória do espaço e do tempo revisitados e reinventados.
Este livro é para ler lentamente, para deixarmos que as palavras nos entrem na pele. Como estas:
(...) Quando chegas, só me ocorre esquecer tudo
e ter-te uma vez mais como quem tem o mundo.
(...)
Poesia rica e lírica. Alma que respira luz. Palavras directas e sábias. Poemas férteis sobre a vida às vezes tão áspera, mas cantando o amor, e as seivas das suas ramagens. Poesia escrita como um ofício diário: sentimental, romântico, mas testemunho lúcido de resistência. E assim vale a pena escrever sobre o amor:
Alheado de mim e de quem era,
busquei-te em vão na solidão dos bares,
para saber que o dia em que chegares
há-de ser um domingo e primavera
(...).
(...)
Na poesia, não basta qualidade, é preciso que seja também inventiva, senão não é arte, é burocracia. O conceito de invenção na poesia não foi criado pelas vanguardas nem pela poesia concreta. Invenção em poesia é tudo desde Homero. A poesia moderna é uma invenção da crítica. E a poesia não serve para nada se apenas for uma espécie de snobismo cultural. A poesia deve chegar ás pessoas (...). A poesia de Torquato da Luz é límpida, directa e intemporal. É um poeta com uma escrita madura e cuidada que usa com mestria a subjectividade da metáfora, a adjectivação, a rima e a métrica necessária nos sonetos. Mas é sobretudo um poeta que sabe construir poemas fortes com uma extrema sensibilidade e um profundo sentido estético. Que nos entra na pele.
É um poeta que escreve por uma necessidade interior, com um ritmo muito pessoal, num encontro de palavras extraídas da alma, nunca criando uma barreira para o leitor, mas ensinando o leitor a imaginar o que está nos intervalos (...)".