terça-feira, abril 28, 2009

Trono

Rua do Jasmim / Foto TL, 2009
Pus-te num trono, que é o lugar onde
deve estar quem se ama, esse lugar
da alma que, sendo íntimo, não esconde
a aparência de altar
de uma igreja singular.

Mas, como a crença é sempre vacilante
e não se pode ter por adquirida,
hás-de saber que nada nos garante
que eu fique a venerar-te toda a vida.

sábado, abril 25, 2009

25 de Abril















Acrílico sobre tela / TL, 2009

O longamente esperado dia
de todas as promessas e intenções
chegou enfim vestido de poesia
e de flores e canções.

Mas depressa o nevoeiro
toldou o que era puro e era inteiro,
mostrando que não trazia
no seu bojo nenhum Sebastião
capaz de exorcizar a sensação
de letargia.

E no entanto ficou como fronteira
das nossas vidas
desde aí para sempre divididas
de tal maneira
que amiúde a conversa nos impele
a falar do antes e depois dele.

quarta-feira, abril 22, 2009

Palavras

Um arco em Alfama / Foto TL, 2008
Palavras que se dizem ao ouvido
quando nos queima a febre do desejo
e só ganham sentido
se sairem dos lábios como um beijo.
Palavras murmuradas no calor
da mútua entrega
a deixar claro que o amor
nunca sossega.
Palavras revestidas de veludo
para afagar a vida
e que no meio da corrida
são elas próprias quase tudo.

segunda-feira, abril 20, 2009

À espera dos jacarandás

Foto TL, 2007
O poema é uma praça de Lisboa
orgulhosa do seu jacarandá
quando acontece Maio e uma pessoa
se embebeda de cheiros que já não há.

O poema tem portas e janelas,
é uma casa habitada de palavras
que entram e saem e dá gosto vê-las
por todo o lado como rosas bravas.

O poema é um circo, tem palhaços,
acrobatas e mágicos, artistas
de um trapézio suspenso dos espaços
que nunca se cansam de dar nas vistas.

O poema é aquilo que se queira
dizer quando se quer dizer amor
e não colhe buscar uma maneira
de o tentar amarrar seja ao que for.

quinta-feira, abril 16, 2009

Os rostos familiares

Praça das Flores / Foto TL, 2007
Mal saio à rua, encontro-os no caminho
e já não fico sozinho.
São os rostos familiares
que compõem a paisagem
desta Lisboa de mil lugares,
cada um feito à sua imagem:
os rostos do meu bairro, que me dão,
tais como são,
aqui e em mais nenhum lado,
tão grande paz e alento
que, se me faltam, experimento
a sensação de ter sido roubado.

segunda-feira, abril 13, 2009

Nevoeiro

Terreiro do Paço / Foto TL, 2008
Entre o cais de partida e o de chegada
deste mistério a que chamamos vida,
olhando em volta não se vê mais nada
que o nevoeiro da despedida.
Mal se nasce, inicia-se a contagem
do que temos de deixar
ao longo da viagem.
São contas de sumir, não de somar,
mais de perder do que de achar.
Mas não se tira vantagem
do que lançamos ao mar
e para se ser livre e ser inteiro
importa ousar romper o nevoeiro.

sexta-feira, abril 10, 2009

Solidão

O maior inimigo tem um nome
fácil de se dizer e entender
e que, entretanto, bem pior que a fome,
a sede e tudo o mais que se quiser,
nos dói cá dentro e nos consome:
é esta imensa solidão
de Sexta-Feira da Paixão.

segunda-feira, abril 06, 2009

Sentido




















Restelo / Foto TL, 2009
Guiados pela dúvida e o medo,
sem ter certeza de coisa nenhuma,
simples barcaças lançadas à espuma
das ondas embatendo no rochedo,

personagens de um filme sem enredo,
botes a remos defrontando a bruma
que abraça em volta tudo o que ressuma
do seu mar de mistério e de segredo,

eis o que somos, eis o que nos resta,
esgotado o tempo que pareceu de festa
e afinal mais não foi que curta etapa

de uma corrida que, sendo tão breve,
a ninguém justifica nem descreve
o sentido que tem e nos escapa.

quarta-feira, abril 01, 2009

Abril

Largo de Santos / Foto TL, 2009

Houve um tempo em que Abril foi madrugada
e rimou com o teu rosto,
mas agora é sol-posto
e não se vê mais nada
com que rime senão
a funda decepção
de uma promessa adiada.

Houve um tempo em que Abril foi a gaivota
azul do teu olhar,
mas perdeu-se da rota
e deixou de voar.

Não nos cabe, porém, desanimar:
Abril acaba sempre por voltar.