quarta-feira, novembro 29, 2006

2 anos

O "ofício" ("diário", mas pouco...) nasceu
a 29 de Novembro de 2004. Assim:

As palavras sucumbem ao vazio
da própria pequenez.
Nenhum cais tem a forma do navio,
nenhum navio a forma das marés.

Parece que foi ontem e já lá vão 2 anos.

segunda-feira, novembro 27, 2006

Noite













Escadinhas da Arrochela
Foto TL

O ondulante corpo da noite
vem perturbar-me o sono, distrair-me
da agenda de sonhos que tenho de cumprir.
É um corpo imbuído de fulgor estelar,
intensamente luminoso,
que me fascina quanto me atormenta.
Um corpo incandescente,
roubado aos deuses, vulcânico,
que me cativa quanto me amedronta.
Um corpo que percorro lentamente
como quem se passeia sem cuidar do tempo
e me domina quanto me intimida.

(2006)

sexta-feira, novembro 24, 2006

Espanto















Estação do Rossio
Foto TL

O segredo está no espanto,
esse dom que exorciza o desencanto
e nos mantém capazes de admirar.

Só envelhece quem, à sua volta,
deixou de ter bem solta
a surpresa de olhar.

(2006)

terça-feira, novembro 21, 2006

Príncipe Real















Foto TL,
esta manhã

Nem ele sabe quantas vezes
já pintou estas casas, estas árvores,
estes canteiros e bancos de jardim,
as portas e janelas da Rua de Dom Pedro V,
o mais amado rei que Portugal teve.

Nem ele sabe quantas vezes
já saíu de cavalete e tela ao ombro
rumo ao Príncipe Real,
em busca de um novo traço, uma cor nova,
que, sob o sol, a chuva, o nevoeiro,
nos dêem outra imagem de Lisboa.

Mas sabe e mostra que esta é a cidade
que, vindo de longe, ele escolheu
e é sua porque a ama
como qualquer de nós.

(2006)

sexta-feira, novembro 17, 2006

Fado do acaso












Não é o sonho que comanda a vida,
mas antes o acaso, o implacável
acaso que determina
uma a uma as etapas da corrida,
tão estranha como formidável,
que vai escrevendo a nossa sina.

Não há azar, nem sorte, nem destino,
tudo é fruto do acaso
e ninguém traz desde menino
marcado o prazo
até quando há-de viver
e há-de morrer.

Um fado que não se canta,
por arranhar a garganta.

(2006)

quarta-feira, novembro 15, 2006

Receita












Muitos gramas de ternura
e outros tantos de loucura,
um pouco de fantasia
mais um q.b. de ousadia,
um longo e líquido beijo
à medida do desejo,
tudo fresco, tudo tão
cheio de imaginação
que dispense mais temperos.
E, depois, sem exageros
de sal, pimenta ou canela,
leva-se ao lume com água
e um tudo-nada de mágoa,
que não sei viver sem ela.

(2006)

segunda-feira, novembro 13, 2006

A luz









Terreiro do Paço
Foto TL

Conheço a luz que os teus olhos derramam
e o rasto que desenham quando expostos
à nocturna solidão das minhas horas.

É a luz exclusiva dos que amam
acima de ilusões e de desgostos,
alheios a decepções e a demoras.

(2006)

quarta-feira, novembro 08, 2006

Ora essa






Acrílico sobre cartão
Torquato da Luz, 1995 (?)

As pessoas que encontro na rua
querem lá saber quem sou,
donde vim, para onde vou.
Cada um vai à sua
vida, ora essa, era só
o que faltava, tenham dó.

É tão pesado o dia-a-dia
que tanto lhes dá
que chova, faça sol ou lá
o que for ou seria.

E não me digam que não há
nisto muita poesia.

(2006)

segunda-feira, novembro 06, 2006

Lume





Acrílico sobre tela
(pormenor)
Torquato da Luz, 2002

Ouço o rumor da noite, esse queixume
do princípio do mundo,
e deixo-me embalar pelo perfume
do teu corpo, em que me confundo,
como se fosses lume.

(2006)

sábado, novembro 04, 2006

À procura







Foto TL

Andei pela casa à minha procura,
devassei quartos, percorri salas,
não houve recanto que não esquadrinhasse.
Gritei o meu nome pelos corredores,
busquei-me entre os móveis, rebusquei o sótão,
revolvi gavetas, desarrumei estantes.

Marquei o meu número pelo telemóvel
e ninguém respondeu, silêncio total.
Saí para a rua e na vizinhança
perguntei aflito se me tinham visto.
Que não, nada disso e, pior ainda,
nem sequer haviam ouvido falar.

Resta-me andar por aí
à procura de mim.

(2006)

quinta-feira, novembro 02, 2006

Ausência










À memória da Teresa, neste dia cinzento

Toda a poesia é inútil quando a vida
nos depara a despedida.

Lembro o dia em que nos sentámos
algures num banco de jardim
e sem lágrimas chorámos.
Foi a forma que encontrámos
de te despedires de mim.

Desde então a tua ausência
enoitece-me a existência.

(2006)