quarta-feira, maio 28, 2008

Mais nada















Foto TL

Nestes dias chuvosos, quando a tua
lembrança vem bater-me na vidraça,
recuso-me de todo a ver quem passa
e procuro nem sequer olhar a rua.

E pela noite dentro, quando a lua
é um pássaro triste que esvoaça
sobre a última árvore da praça,
onde um fantasma sempre se insinua,

reinvento-te e, à luz da madrugada,
concluo que, além de ti, não há mais nada.

segunda-feira, maio 26, 2008

Sem ti









Da mesma
janela
Foto TL


Dificilmente as palavras dizem
o que queremos dizer.
Enrolam-se na boca, são ondas revoltas
longe da praia, que raro atingem.
Quando há pouco nos despedimos
ao telefone, vi que me faltava
a palavra que exprimisse
com precisão a dor da tua ausência.
Sem rodeios ou flores inúteis,
tinha a dizer-te (e não consegui)
que não me interessa viver sem ti.

quarta-feira, maio 21, 2008

Viajar









Da janela
lisboeta
Foto TL

Viajar, viajar, somar cidades,
coleccionar um pouco a esmo
impressões e imagens
e entretanto ter saudades
de nós mesmos
noutras paragens.

Viajar, viajar, guardar países
na memória, para um dia
fingir que fomos felizes
ao esquecer as raizes
da melancolia.

segunda-feira, maio 19, 2008

Princípio e fim











Acrílico
sobre tela
TL, 2008

Como se tudo aquilo em que tocassem
as nossas mãos se transformasse em espuma
e os olhos, feitos barcos, navegassem
serenos e altivos sobre a bruma.

Como se não sobrasse mais nenhuma
noite em que os nossos corpos se enlaçassem
e abraçados vencessem, uma a uma,
quaisquer barreiras que nos levantassem.

Como se fosses o princípio e o fim
do que sempre quis para mim.

quinta-feira, maio 15, 2008

Impossível clonagem
















Jacarandás da Avenida Dom Carlos I "posam" para o pintor japonês M. Nagashima
Foto TL


Ninguém é repetível, não existe
forma de clonar a alma.
Por mais que atrás de um amor
venha outro amor,
a verdade é que não será igual
ao amor que já foi.
E todo o amor que teremos
a seguir ao que temos
por força será distinto
do que algum dia tivemos.
Amar é sempre despedir-se
de quem se ama.

segunda-feira, maio 12, 2008

Parecer











Outro
jacarandá
lisboeta
em flor
Foto TL

Pensei que era possível, mas não foi
isso que aconteceu.
Ficámos sem palavras, tu e eu,
e agora o que nos dói
não é a dor do erro cometido,
que sempre acaba em tédio,
mas o mal sem remédio
do tempo não vivido.

Resta-nos, no entanto, pela frente
o tempo por viver.
E é como se de repente
tudo ganhasse um parecer
muito diferente.

quarta-feira, maio 07, 2008

Assombro













Jacarandá
de Lisboa
Foto TL

Vou pousar a cabeça no teu ombro
até que a dor me passe e venha o dia
de descobrir de novo aquele assombro
com que, ao ver-te, o olhar se me tolhia.
O dia que, entre os dias, seja o dia
de sentir que o mistério do teu ombro
me deu de volta o mundo em que vivia
num tempo que era feito do assombro
com que o sonho dá corda à fantasia.

domingo, maio 04, 2008

Madrugada










Acrílico
sobre tela
TL, 2006

Às vezes parece que o mundo desaba,
mas não podemos desabar com ele,
por mais que nos queime a pele
a sensação de que tudo acaba
ou está prestes a ruir.
Depois da chuva, a enxurrada
prenuncia a madrugada
que há-de vir.