quarta-feira, janeiro 30, 2008

Solidão










Foto TL

A maior solidão não é a que se sente
dentro de casa sem mais ninguém,
mas antes a que se tem
no meio de muita gente.
Mais do que outra qualquer,
é essa solidão que faz doer
e lentamente
nos domina, como se não
fosse nossa a multidão.

domingo, janeiro 27, 2008

Sem nome









Acrílico
sobre tela
TL, 2008
Nunca soube o teu nome nem preciso
de o saber, se inventei o paraíso
em cada gesto teu, em cada olhar,
e não há maior nome que o sorriso
com que sempre me acolhes ao chegar.

O que me interessa em ti não é o nome,
que certamente tens, mas eu não sei,
se tento apenas iludir a fome
que se apossou de mim e me consome
desde a primeira vez que te encontrei.

Ao nome que terás, seja qual for,
prefiro o que te chamo: meu amor.

quarta-feira, janeiro 23, 2008

Esgar














Foto TL

Não era riso, era um esgar
de despeito que exibia.
E o olhar,
ao invés da ironia
própria de quem vive a vida
sem alergias,
denotava a descabida
inveja que amarga os dias.

Nem de longe nem de perto
me incomoda, pensei eu.
Mas o certo
é que, por dentro, um deserto
de súbito me doeu.

domingo, janeiro 20, 2008

À espera

















Foto TL
Ainda um dia hei-de contar-te as espantosas
coisas de que me lembro quando fico à tua espera
horas e horas, cada vez mais vagarosas,
e tu não chegas, meu amor, e tu demoras
mais do que a minha paciência. Quem me dera
aquele tempo em que era sempre primavera
e assistia indiferente à passagem das horas.

Mas, quando chegas, só me ocorre esquecer tudo
e ter-te uma vez mais como quem tem o mundo.

quarta-feira, janeiro 16, 2008

Em frente














Foto TL
Foi tudo errado. Não sobrou
nem uma réstia de sonho.
O que ficou,
não adianta escondê-lo,
é apenas o medonho
rasto de um pesadelo.

Depois de tanto esforço, tanto medo
e tanta dor,
não há qualquer segredo
quanto àquilo que te espera,
para além do pavor
de já não ser primavera.

E mesmo assim vais em frente,
sem temer o que há-de vir.
Não se é impunemente
filho de gente
que nunca soube desistir.

domingo, janeiro 13, 2008

Abandono













Foto TL
Não digas nada, deixa apenas
as mãos entregues ao calor das minhas
e olha-me nos olhos como quando
nos fitávamos, pássaros surpresos
do próprio voo, adolescente e luminoso.
Ambos sabemos desde há muito: a vida
é uma longa paciência e não há forma
de viver ao abandono dos que amamos.
Sobrevivamos, pois, no fio dos dias
que nos restam ainda, se é que o tempo
nos favorece como dantes.
E mantenhamos as mãos coladas,
olhares fitos um no outro, meu amor.

quinta-feira, janeiro 10, 2008

Dizer não











Foto TL

Vai sendo tempo de respirar,
abrir janelas e afrontar
o ambiente sufocante.
Vai sendo tempo de, a todo o instante,
soltar a língua e gritar.

Vai sendo tempo de lutar contra o bafio
que, sorrateiro mas veloz,
mais uma vez se instala.
Vai sendo tempo de enfrentar o desafio,
erguer a voz
e retomar a fala.

Vai sendo tempo de exorcizar
o desânimo e a omissão.
Vai sendo tempo de voltar
a dizer não.

segunda-feira, janeiro 07, 2008

A porta















Foto TL

Talvez eu volte um dia. Ninguém sabe
que mistério se esconde atrás da porta
que para mim já se entreabre.
De resto, pouco importa
se volto ou não. Interessa é que vivi
o mais intenso que consegui.
Amei e fui amado. E, se também
por vezes odiei ou houve alguém
que me tenha odiado, já esqueci.
Estou, assim, preparado para quando
a porta, enfim, se abrir e eu entrar
no mistério que, não voltando,
não terei de revelar.

sexta-feira, janeiro 04, 2008

(E)terna Lisboa













Foto TL

Não me perguntem donde venho
ou para onde vou.
Não tenho
memória do que se passou
e porventura deixei
nos lugares por onde andei.

Nada me prende ao que resta
de uma noite de festa
que talvez nem tenha acontecido.
Tão-pouco sou um pássaro perdido
do ninho na floresta.

Basta-me ser uma pessoa
que (e)ternamente ama Lisboa.

quinta-feira, janeiro 03, 2008

Tejo












Foto TL

Nas tardes de programa indefinido,
quem namora o Tejo, meu rio preferido,
fica a saber que não há melhor maneira
de ser feliz do que ter a vida inteira
o olhar atento ao voo das gaivotas,
essas aves vadias que indicam a rota
aos barcos, entre as duas margens.

E jamais buscará outras viagens,
tidas as que lhe oferece o inspirado
rio Tejo, amor sem rasto de pecado,
nas tardes de programa indefinido
em que nada mais parece ter sentido.