segunda-feira, novembro 29, 2010

6 anos

Jardim de São Pedro de Alcântara
Tudo começou assim, a 29 de Novembro de 2004:
As palavras sucumbem ao vazio
da própria pequenez.
Nenhum cais tem a forma do navio,
nenhum navio a forma das marés.
É tempo de continuar.

quinta-feira, novembro 25, 2010

O corpo da cidade

Travessa das Inglesinhas, à Madragoa

Tacteamos o corpo da cidade
que elegemos um dia para amante
e nele damos largas à vontade
de a possuir, mas nada nos garante
que fique nossa para a eternidade.
Porque a cidade é uma musa esquiva
e nós, por mais sincera a tentativa
de a prendermos com beijos e abraços,
não passamos de barcos à deriva
num mar feito de lios e sargaços.

segunda-feira, novembro 22, 2010

Pouco sabemos

Rua do Monte Olivete

Pouco sabemos das nossas mesquinhas vidas
e mesmo o que sabemos fica sempre aquém
do que julgamos saber
porque há paisagens que nos foram proibidas
desde o início, como se entre mal e bem
se pudesse estabelecer
um muro, uma barreira natural e exacta
e inscrever por baixo o nosso nome e a data.

O mais que conseguimos é marcar no vento
a dor das coisas que deixamos no caminho
e nem ousamos olhar
como se nada contasse além do momento
em que se come o pão e bebe o fácil vinho
e não houvesse lugar
para um ponto de exame, um tempo de paragem
a meio desta estranha e brevíssima viagem.

quinta-feira, novembro 18, 2010

Transgressão

Arco de Jesus, ao Campo das Cebolas

Raramente é fardo leve
a vida, com o seu lento
curso dos dias iguais,
mas também de nada serve
a tentação do lamento:
nós podemos sempre mais
do que supomos poder.
O segredo está em querer
ir para além dos sinais
e, dispensando o travão,
optar pela transgressão.

segunda-feira, novembro 15, 2010

A cidade

Largo do Marquês do Lavradio, às Cruzes da Sé

A cidade passeia no rosto de um homem,
põe seu corpo nu a tocar-lhe a pele,
desenha-lhe um rio, mas os barcos não correm
na água que nasce do silêncio dele.

Um homem estrangula o frio da cidade,
seu corpo a possui, seu corpo incendeia,
vai calado e só, numa fúria que há-de
espraiar-se por fim no oiro da areia.

Cidade de portas abertas ao medo,
um homem percorre o seu corpo e pergunta
como o tempo achou lugar para ter
tanto tempo muda tanta gente junta.
("Voz Suspensa", 1970, rev.)

quinta-feira, novembro 11, 2010

Nenhum dia

Entardecer lisboeta
Nenhum dia é cinzento quando a tua
voz me desperta e saio para a rua
cheio de sol e música na alma
e tudo em volta se ilumina e canta
como se desprendesse da garganta
uma canção vibrante, porém calma.

Nenhum dia é monótono a teu lado
porque o tempo contigo se evapora,
de ti serenamente enamorado,
e não dura um minuto cada hora.

segunda-feira, novembro 08, 2010

Um muro

Rua do Norte, Bairro Alto

Um muro e outro muro
só a palavra alada os esvoaça,
ave da noite que defronta o escuro
e deixa o dia onde passa.

Mas onde achá-la, em que praia
desvendar a beleza do seu corpo,
onde encontrar quem saiba
das paisagens que há dentro do seu rosto?

Se todos os silêncios são nocturnos,
a memória gelada que a procura
é um comboio de bruma
sitiada nos vóltios da ternura.
("Lucro Lírico", 1973, rev.)

quinta-feira, novembro 04, 2010

Perdição

Rua da Quintinha

Como quem comete um crime
e se busca em parte incerta
fiz-me à cidade e perdi-me
em qualquer rua deserta
das muitas que tem o mapa.
Mas em meio da perdição
alguma coisa me escapa:
é que não vejo razão
para se ter por funesta
a que em mim é condição
mais que evidente de festa.

segunda-feira, novembro 01, 2010

O que está primeiro

O gladíolo na varanda renasce. Veremos...

Tudo fica mais fácil quando se ama
porque amar é sobrevoar
e lá do alto ver o rasteiro
dia-a-dia que nos chama
e abaixo finge ignorar
que o amor está primeiro.

Tudo fica mais leve quando se ama
porque amar é atravessar
o mar largo e traiçoeiro
da vida que nos reclama
para a urgência de gritar
que o amor está primeiro.