segunda-feira, dezembro 21, 2009

Decepção de Natal

Presépio tradicional do Peru / Foto TL

Foi a mãe quem lhe disse
que, se fechasse os olhos e dormisse,
o Menino Jesus, que era bonzinho,
havia de chegar, pé ante pé,
e deixar prendas no sapatinho
que ele pusera na chaminé.

Fechou os olhos, sim, mas lá dormir,
isso é que não, não conseguia.
Pois, se o Menino havia de vir,
como é que ele poderia
não estar atento aos seus passos
e ir dar-lhe beijos e abraços?

E foi já de madrugada
que, contra o sono que tinha,
ouviu, vinda da cozinha,
uma suave restolhada.
De pronto se pôs de pé,
mas, chegando à chaminé,
teve a primeira decepção
de uma vasta, infindável, colecção.

Boas Festas e Feliz 2010!

quinta-feira, dezembro 17, 2009

Mundo futuro

Jardim de Belém / Foto TL, 2009

Muito do mundo que era meu já não existe,
o que por vezes me deixa triste,
mas a verdade é que, todos os dias,
surgem pessoas e coisas novas
que me transmitem esperança e alegrias
e se obstinam em dar-me provas
de que a vida não é um lugar escuro
atulhado de teias do passado
mas um terraço aberto e arejado
à espreita do futuro.

segunda-feira, dezembro 14, 2009

Sombra

Namorando o Tejo / Foto TL, 2008

Não sei que sombra veio de repente
mudar o que era simples e directo:
tu passavas, sorrias e por perto
tudo brilhava tão intensamente
que o mundo parecia estar completo.

Depois, o sol que havia no teu rosto
desapareceu, cedendo à noite escura,
e agora só me resta ir à procura
de outra luz que dissipe o meu desgosto.

quinta-feira, dezembro 10, 2009

Quantas vezes

Rossio / Foto TL, 2008
Quantas vezes te esperei neste lugar
quantas vezes pensei que não chegavas
quantas vezes senti a rebentar
o coração se ao longe te avistava.

Quantas vezes depois de teres chegado
nos colámos no beijo que tardava
quantas vezes trementes e calados
nos entregámos logo sem palavras.

Quantas vezes te quis e te inventei
quantas vezes morri e já não sei.

segunda-feira, dezembro 07, 2009

Palavras

Rua Garrett / Foto TL, 2007

Dizemo-nos palavras com que queremos
traduzir o que nos liga,
mas todas as palavras são de menos
para explicar a antiga
ânsia de mútua entrega
que não mais nos sossega.

Dizemo-nos palavras que julgamos
as mais doces e serenas
no momento em que nos damos,
mas todas as palavras são apenas
carruagens vazias
do comboio dos nossos dias.

Dizemo-nos palavras quando é certo
que nenhuma há-de ser suficiente
para vencer o deserto
que temos pela frente.

quinta-feira, dezembro 03, 2009

De repente

Rua da Caridade, a São José / Foto TL, 2009

Viveu pouco, mas viveu
como gostava de viver.
Nem por um dia lhe ocorreu
que pudesse fazer
o que não devia.
Assim, tudo o que fazia
desde menino
era puro e genuíno.

Viveu pouco, mas viveu
como quis e entendeu
que vale a pena viver:
o mais intensamente
que se puder.
E morrer de repente.

terça-feira, dezembro 01, 2009

Um dia

Foto TL, 2008
De súbito, entre a sombria
roda dos dias iguais,
às vezes sucede um dia
que se distingue dos mais.
É um dia raro, feito
à medida do teu peito,
onde o meu busca repouso.
Um dia claro, luminoso
e sobre todos perfeito.
Um dia contra o cinzento
correr dos dias iguais,
no qual me invento e te invento
para sermos o momento
que não findará jamais.