quarta-feira, julho 29, 2009

A liberdade

Cais da Rocha / Foto TL, 2009

Não esperem de mim que cante a ingrata
memória do tempo em que nasci,
quando o mundo gemia sob a pata
da besta nazi
e sofria a miséria
dos amanhãs que cantam na Sibéria.

Não esperem de mim que cante a herança
do ominoso rosto do século vinte,
quando a Europa, vestida de pedinte,
parecia descrer da esperança
de uma luz que lhe mostrasse
a outra face.

Esperem de mim que cante a liberdade,
pelo triunfo da poesia
e da verdade
sobre qualquer tirania.

segunda-feira, julho 27, 2009

Nocturno

Jardim das Janelas Verdes / Foto TL, 2008

Era manhã e anoiteceu
tão de repente que nem demos
por isso, tu e eu.
Agora o mais que podemos
é impelir os remos
para diante e afrontar
sem medo o nocturno mar.
Até que a madrugada
de um dia por haver
traga a promessa de devolver
a tarde que nos foi roubada.

quarta-feira, julho 22, 2009

Contemplação

Campo das Cebolas / Foto TL, 2009

Deixa-me contemplar-te. Apenas quero
guardar com nitidez a tua imagem
para poder depois seguir viagem
sem temer a angústia e o desespero.

Quero fixar os traços do teu rosto
no mais íntimo canto da memória
para os poder lembrar quando o desgosto
da tua ausência for a minha história.

Quero reter nos olhos as marés
de que se faz a luz do teu olhar
para poder prender-te como és
para sempre no fundo do meu mar.

segunda-feira, julho 20, 2009

Imortais

Terreiro do Paço / Foto TL, 2009

Nós somos imortais. A ideia obscura
da morte não nos ocorre
ou, se ocorre, pouco dura.
Porque afinal, é de ver,
são sempre os outros quem morre
(e a nós, neste corre-corre,
nem sempre é dado saber).

quinta-feira, julho 16, 2009

Ausência

Travessa de Santa Teresa / Foto TL, 2008

Ainda existe a casa, ainda está
de pé o velho muro do quintal,
ainda nas janelas, bem ou mal,
pendem cortinas como já não há.

Ainda não levaram o sofá
vermelho que, na sala, era o local
das tuas tardes a ler o jornal,
num fundo de veludo e tafetá.

Ainda nos extensos corredores
e na sombra dos quartos interiores
persiste o cheiro a fruta e alecrim.

Só faltas tu. Ou seja, falta tudo,
porque fora de ti não há mais mundo
e até eu me sinto ausente de mim.

terça-feira, julho 14, 2009

Esperança

Acrílico sobre tela / TL, 2009

Prossegue a luta e espera. Há-de chegar
o dia mais que todos o primeiro
em que já não serás um prisioneiro
do tempo que te coube e do lugar
onde não tens licença de voar.
O dia em que estarás por fim liberto
da malha estreita em que te enredaram
a intriga mais cediça e o preconceito.
O dia em que a secura do deserto
para onde mil enganos te empurraram
cederá ao que é teu pleno direito:
um vasto campo de respiração
como te pede o livre coração.

sábado, julho 04, 2009

Férias

Então, adeus, até ao meu regresso!

quinta-feira, julho 02, 2009

Destino

Telhados de Alfama / Foto TL, 2009

Por mais que procuremos,
nunca descobriremos
o termo exacto para coisa alguma.
Tudo o que conseguimos
é soletrar rumores por entre os limos
de um oceano de espuma.

Se há destino (e não é certo
que o haja), o nosso é
ficarmos sempre aquém do que dizemos.
E nada mais nos resta que o deserto
onde buscar, sem grande fé,
o que nunca teremos.