segunda-feira, agosto 29, 2011

Raiz

Rua de São Nicolau
Fui por amor e tive solidão,
busquei apoio e só me deste ausência,
como se no lugar do coração,
feito apenas de lustre e aparência,
transportasses alguma maldição.

Mas, vendo bem, seja qual for a hora
em que tento esquecer, deitar-te fora,
tudo subitamente recomeça,
meu amor de raiz, minha promessa.

quinta-feira, agosto 25, 2011

Dúvida

Cais do Sodré
Tive tudo e não tive nada
fui rico e pobre de pedir
e para o resto da jornada
dava-me jeito descobrir
se o que me espera além da estrada
é uma nova madrugada
ou uma noite de fugir.

E desta dúvida cativo
sinto-me livre e sobrevivo.

segunda-feira, agosto 22, 2011

Pulsão

Senhora da Rocha
Eu que não sei nada de quase tudo
e não tenho a certeza de coisa nenhuma
sou não raro tentado a acreditar que o mundo
pode ser mais que este castelo de espuma
embatendo na rocha a pique sobre o mar
ou buscando a praia para desmaiar.
Só que o mundo afinal é a vaga
pulsão que nos impele a desenhar no tempo
um sulco que a espuma entretanto apaga
sem sequer deixar rasto do momento.

terça-feira, agosto 16, 2011

Claridade


Armação de Pêra
Estar junto de quem se ama é o melhor da vida,
mas esta tem veredas, outros modos
de amenizar-nos a corrida
e o primeiro deles todos
é certamente a maresia
beirando a rebentação,
quando a praia semi-deserta, ao fim do dia,
se nos oferece sem limitação.
Nesses momentos límpidos e plenos
de serena claridade,
a sensação que nos invade
é a de sermos demasiado pequenos
ante tamanha liberdade.

segunda-feira, agosto 08, 2011

Destino do mar

Acrílico sobre tela
Outros terão por destino
sete palmos de terra e um caixão.
Porém eu, desde menino,
sei que não.

Não, não é a terra que me chama,
mas uma voz que, da infância,
me namora e reclama:
a voz do mar
vencendo breve a distância
que teima em nos separar.

quinta-feira, agosto 04, 2011

Sem medo

Nem a todas as horas a poesia
é tinta azul sobre a tela da vida.
Também as há em que a descolorida
bruma das coisas se insinua fria
na alma do poeta e a sombria
memória se desvela corroída
pelo vagar do tempo e compelida
a semear a noite onde era dia.

Nessas horas de névoa e de veneno
em que o quadro se torna mais escuro
por reacção das cores combinadas

é quando mais importa ser sereno
e olhar sem medo as luzes do futuro,
tentando antecipar as madrugadas.

segunda-feira, agosto 01, 2011

Há dias

Praça das Flores
Há dias em que o mundo parece ruir,
o almoço aprazado não se concretiza,
os telemóveis amigos estão desligados
e ninguém responde, ninguém mostra sentir
abertura a dar-nos a força precisa
para continuarmos, saltando os valados
que aparentam convites a desistir.
É então que mais se impõe ter presente
o menor de todos os muitos segredos
que enfim nos permitem seguir em frente:
viver é a arte de gerir os medos.