quinta-feira, novembro 29, 2007

Três anos

Tudo começou a 29 de Novembro de 2004.
Assim:

As palavras sucumbem ao vazio
da própria pequenez.
Nenhum cais tem a forma do navio,
nenhum navio a forma das marés.

Já lá vão três anos.

segunda-feira, novembro 26, 2007

De volta












Foto TL

Era manhã e anoiteceu,
sem ter havido tarde nem meio-dia,
e tudo em volta envelheceu,
perdendo cor e poesia.

Mas tu chegaste, a tarde aconteceu
e eu voltei a ser eu.

quinta-feira, novembro 22, 2007

Miragem















Foto TL

Proibi-te a entrada nos meus sonhos,
mas teimas em aparecer.
Mal fecho os olhos
e me deixo adormecer,
logo me surge a tua imagem
incendiando a paisagem.

E, sem saber o que fazer,
busco conforto na miragem
de um dia te esquecer.

segunda-feira, novembro 19, 2007

Bruxedo














Foto TL

O amor é um bruxedo
que, às vezes tarde, outras cedo,
nos ataca sem remédio.
Mas há que não sentir medo
ou sequer guardar segredo
do seu mais que certo assédio.

Um bruxedo de tal monta
que nunca alguém se dá conta
de como está embruxado
e embarca, todo feliz,
em tudo o que se lhe diz
sem tomar qualquer cuidado.

Quem ama entrega-se inteiro
e não pensa em si primeiro
do que no seu ser amado.
Dá-lhe o que tem e não tem,
julgando que mais ninguém
há-de haver em nenhum lado
que lhe traga tanto bem.

Mas, seja lá o que for,
a verdade é que melhor
coisa no mundo não há
do que o bruxedo de amor.
E a quem ama tanto dá
estar embruxado ou não estar,
se o que lhe interessa é amar.

quinta-feira, novembro 15, 2007

Sobre a poesia










Foto TL
A poesia não é
uma espécie de gaveta
onde o poeta,
embora de boa fé
e cioso de si mesmo,
deita palavras a esmo.
Claro que também não sei
o que a poesia é ao certo.
Ora bosque, ora deserto,
não conheço qualquer lei
que a defina com rigor,
seja a poesia o que for.
De uma coisa, todavia,
tenho a mais funda certeza:
só acontece poesia
quando se junta à beleza
das palavras a lição
de vida que elas nos dão.

segunda-feira, novembro 12, 2007

Antes que









Acrílico sobre tela
TL, 2007


Antes que a noite chegue e nos estenda
a sua imensa rede de emboscada.
Antes que, além da noite, a madrugada
assome e, ela também, nos surpreenda.

Antes que, rematando a manhã clara,
a luz do meio-dia nos aguarde.
Antes que, sendo cedo, seja tarde
para aquilo que o tempo nos prepara.

Antes que o sol de todo se despeça,
deixando escuridão e nada mais.
Antes, enfim, que vás e eu te esqueça

e não subsistam traços nem sinais
de ti gravados na minha cabeça
e as horas todas nos sejam iguais.

quarta-feira, novembro 07, 2007

Cais das colunas












Foto TL

Sobre ser belo, tinha
uma aparência de eternidade
que lhe advinha,
não da idade,
mas da quase-irrealidade
com que marcava a linha
de rosto da cidade.

Hoje é apenas um monturo,
um lugar triste e abandonado,
ao qual roubaram o passado
e recusam o futuro.

E é de temer que o novelo
do tempo que tenho pela frente
não seja suficiente
para voltar a vê-lo.

domingo, novembro 04, 2007

Os zombies de Lisboa
















Foto TL

Os zombies de Lisboa deambulam no metro,
apelando a quem os possa ajudar,
ou percorrem as ruas com seu passo incerto
e falta de jeito para o acertar.

Os zombies de Lisboa sentam-se à porta
das igrejas da Baixa à hora da missa,
exibindo mazelas como quem mostra
o pobre ganha-pão de uma vida submissa.

Os zombies de Lisboa pedem uma esmola,
mesmo que pequena, por amor de Deus.
Nunca foram meninos, fugiram da escola
e há muito que já não sabem dos seus.

Mas, tendo uma alma como toda a gente,
os zombies de Lisboa hão-de perguntar
por que raio lhes coube destino diferente
dos mais que nasceram no mesmo lugar.

E, embora a procurem, não acham resposta,
a não ser na sina ou no fado inimigo,
para o facto de a vida lhes ter sido imposta
como se fora um longo e triste castigo.