Neve algarvia
minha mãe cozinhava o jantar
e eu espreitava o quintal através da janela.
Era quase de noite e estava frio,
ali onde toda a gente
pensa que não há disso.
De súbito, os pingos de chuva embranqueceram
e pousavam, fiapos de algodão,
sobre os canteiros, as plantas, a muralha,
que era o pano de fundo do quintal.
Não sei se minha mãe alguma vez vira nevar,
só sei que logo dividimos a surpresa
e ficámos a admirar pela noite dentro
o espantoso espectáculo.
Na manhã seguinte, as ruas
vestiam de branco, imitando
os campos de amendoeiras.
Fui para a escola pelos trilhos
das carroças dos camponeses,
mal sabendo que nenhuma neve
das que veria depois nos caminhos do mundo
havia de ter o encanto
daquela algarvia de 1954.
(2006)